Demanda antiga de transportadoras e motoristas, o pagamento de um frete de retorno quando os caminhões voltam para sua origem vazio, tem tirado o sono do setor agrícola. Desde o estabelecimento da tabela de fretes mínimos rodoviários, depois da paralisação dos caminhoneiros, em maio, o pagamento desse frete de retorno passou a ser obrigatório.
A lei 13.703, sancionada pelo presidente Michel Temer no dia 9 de agosto, determinou a publicação de tabelas de preços mínimos para fretes de cargas a granel. E a tabela da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em vigor, além do piso mínimo do frete, estabelece que, “nos casos em que não existe carga de retorno, para incluir o custo da volta, deve-se multiplicar a distância de ida por dois”. Ou seja, o contratante tem de pagar a viagem de volta do veículo vazio.
Conforme já informou o jornal, se as ações de entidades do setor de agronegócios que contestam a tabela da ANTT na Justiça naufragarem, os custos com o transporte rodoviário de soja, milho, farelo e açúcar até os portos poderão aumentar em até R$ 25 bilhões ao ano caso o contrante tenha de pagar pelo retorno dos caminhões vazios. Os cálculos fazem parte de um estudo do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-Log/USP).
A medida tem provocado muita discussão e polêmica. “Eu mesmo não acho certo pagar para o caminhão voltar vazio”, afirma Fernando Santana, motorista autônomo que costuma transportar cargas agrícolas entre o porto de Paranaguá (PR) e Goiás e Mato Grosso. Mas, de acordo com Bolivar Lopes, assessor da presidência da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abicam), o frete de retorno é uma demanda tão antiga quanto o transporte rodoviário que agora, finalmente, foi atendida.
“A medida atende especialmente rotas que vão para Norte e Nordeste. Até agora, o caminhoneiro ficava em busca de carga e aceitava um frete muito baixo para voltar”, afirma Lopes. Segundo ele, a nova tabela “acaba com essa história”. O que também acaba é a garantia de fornecimento de matérias-primas para a produção de fertilizantes para as misturadoras que atuam no Centro-Oeste, por exemplo, a preços módicos. Isso porque é o caminhão que chegava ao porto com grãos que voltava com os produtos usados pelas misturadoras de adubos nos produtos finais destinados às lavouras.
“Isso fazia o caminhão voltar com frete pela metade do preço. O caminhão levava o grão e voltava com adubo com um frete a preço de banana”, reclama Ariovaldo Junior Almeida, diretor do Sindicato dos Transportadores autônomos de Cargas de Ourinhos e Região (Sindicam). Thiago Péra, coordenador da Esalq-Log, lembra que essa equação de ir com grãos e voltar com fertilizantes não fecha porque o Brasil importa cerca de 30 milhões de toneladas de adubos e exporta 100 milhões de toneladas de grãos.
Muitos dos caminhões que fazem o transporte de grãos são do tipo bitrem e não são aptos ao transporte de outros tipos de produtos. “Existe uma coisa que é a compatibilidade de caminhão com a carga. E tem caminhão que pode passar muito tempo no porto procurando carga”, afirma Péra.
Emílio Madera, caminhoneiro autônomo com 30 anos de estrada, afirma, porém, que nem sempre o caminhão tem prejuízo ao voltar vazio para o Centro-Oeste. “Na época de pico de safra em Mato Grosso compensa voltar vazio”, reconhece. Madera não faz mais rotas para os portos. “A viagem paga melhor, mas é muito insegura”. Atualmente, Madera normalmente leva grãos produzidos na região de Ourinhos, no interior de São Paulo, até Barra Mansa, no Rio de Janeiro, para abastecer a Rica Alimentos, que produz carne de frango. “Muitas vezes eu volto uns 750 quilômetros vazio. Sem a tabela, eu ganhava menos voltando vazio, mas não tinha prejuízo”, diz.
Já o autônomo Fernando Santana, que faz quase que exclusivamente rotas do porto de Paranaguá, diz ser difícil voltar sem cargas. “O motorista sempre faz rotas que conhece”, afirma. Ele tem um caminhão de seis eixos e, assim, pode voltar com quase todas as variedades de carga. “Posso carregar canos, caixaria, sacaria, quase tudo”.
Mesmo com a tabela da ANTT já em vigor há quase três meses, caminhoneiros e representantes do setor afirmam que os fretes de retorno e os preços mínimos fixados estão sendo descumpridos.
“A rota que eu mais faço é de Paranaguá para Rondonópolis (MT). Essa rota estaria com frete R$ 1 mil mais alto com a tabela, mas o valor praticado não está nem perto disso”, afirma Santana. O frete dessa rota, diz, está em torno de R$ 5.680 e iria para R$ 6.680 com a tabela. “Pagando o frete de retorno subiria para R$ 12 mil”, lembra.
Em mensagem a associados, o Sindicam de Ourinhos afirma que está reunindo documentação para entrar com processos contra transportadoras – ou tradings – que estão pagando valores abaixo do piso mínimo. “Não existe trabalhar ou não com tabela, isso não é uma opção. É lei”, afirma o diretor do Sindicam Ariovaldo Junior Almeida em mensagem de áudio direcionada a caminhoneiros.
Segundo ele, na região de Ourinhos já existem embarcadores com passivo jurídico – diferença entre o valor mínimo e o pago – milionário. “Ele vai pagar duas vezes a diferença do valor do frete [pago e o estabelecido pela tabela] em multa”, completa.
Na próxima segunda-feira, o ministro Luiz Fux, relator do tema no Supremo Tribunal Federal (STF), fará uma audiência pública com representantes do setor privado e dos transportadores antes de apreciar os pedidos de liminares para suspender o tabelamento.
Ontem, durante evento realizado em Brasília, representantes do agronegócio se mostraram pessimistas com relação à decisão de Fux. “A minha impressão é de que isso vai ser postergado para o próximo governo resolver”, avalia Sérgio Mendes, diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), uma das entidades que entraram na Justiça pedindo a inconstitucionalidade da lei.
No setor, acredita-se que Fux não tomará sozinho a decisão de considerar a inconstitucionalidade das tabelas de frete e transferirá a responsabilidade para o plenário da Suprema Corte. Caso isso aconteça, a indefinição em torno do tema pode durar ainda mais tempo.
Fonte: Jornal Valor Econômico
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