Existem dois mundos para as decisões de investimentos em infraestrutura de transportes no Brasil. Um deles é o do agora, que precisa responder a uma herança que nos assombra. O outro é o universo do amanhã, no qual novos projetos de ampliação da rede demandam grandes quantidades de recursos. O passado nos persegue. Em 1984, o estoque de infraestrutura de transportes, que representa o valor financeiro de todos os ativos físicos em relação ao PIB, era 21,4% (fonte: Frischtak e Mourão). Em 2016, esse estoque já havia encolhido para 12,1%. Portanto, é contundente a deterioração do atual nível de serviços das rodovias, significando que estamos operando em uma “casa velha”.
Mas o futuro é desafiador. Estima-se um crescimento de cerca de 40,5% no volume de cargas até 2035, o que representará um aumento nas despesas de transportes dos atuais R$ 166 bilhões para R$ 233 bilhões (fonte: PILT/FDC). Esse quadro, além de confirmar que o Brasil ocupa a última posição em eficiência logística entre as 20 principais nações do mundo, o futuro (até 2035) é de deterioração permanente, de colapso, considerados os projetos atualmente no pipeline governamental.
O país requer planejamento de longo prazo, com projetos estruturantes assumidos e protegidos pela sociedade e inseridos numa agenda de Estado. Os planos devem combinar a melhoria da eficiência rodoviária atual, em consonância com a reestruturação planejada da matriz multimodal de transporte.
O primeiro desafio é planejar, de imediato, o que queremos para nossas rodovias. Temos de impedir o avanço da deterioração rodoviária, já que o nível de serviço (calculado pela razão entre volume de tráfego e a capacidade das vias de movimentar tal volume), opera com 45,3% em condições de desfavoráveis a péssimas (fonte: PILT/FDC). Somente nos últimos dois anos, essa situação implicou uma perda adicional de R$ 15,5 bilhões nos custos logísticos para os embarcadores de transportes, que pode atingir aproximadamente R$ 131,75 bilhões até 2035 (fonte: Núcleo FDC de Infraestrutura). Este mesmo planejamento de longo prazo tem de garantir que exista uma gradativa, mas sustentada, reestruturação da matriz de transportes.
Calcula-se que, para cada 10% de carga rodoviária transferida para a ferrovia, haveria uma economia de 2,4%, equivalente a R$ 4,9 bilhões, já em 2025, e R$ 5,6 bilhões em 2035. No caso das hidrovias, a economia chega a 4,5%, equivalente a R$ 9 bilhões em 2025, e R$ 10 bi em 2035 (fonte: PILT/FDC). Sendo assim, as projeções da demanda de transporte para o Brasil ser mais competitivo, associadas à carteira de projetos em curso, exigem investimentos continuados no longo prazo e protegidos de iniciativas conectadas apenas com agendas políticas imediatistas.
É fundamental criar um ambiente seguro e confiável para o investimento privado em parceria com o setor público, que conectem o agora e o amanhã. Nos últimos 20 anos, o programa de concessões da União e dos Estados tem se mostrado uma boa alternativa para a atualização da infraestrutura brasileira, principalmente em rodovias. Entendo que essa política deveria continuar sendo aplicada pelos futuros governantes, não apenas para as rodovias, mas para concessões de outros projetos que criassem uma rede multimodal mais eficiente e moderna.
A predominância irrestrita dos transportes por rodovias é um quadro insustentável
A predominância irrestrita dos transportes por rodovias é um quadro insustentável e as razões são óbvias. A primeira: o país continuará dependente de rodovias em viagens de longa distância, transportando produtos de baixo valor agregado e peso bruto alto. Segunda: a oferta de modais nas áreas de expansão das commodities agrícolas continua tímida, necessitando maior densidade de ferrovias e hidrovias para redução dos custos logísticos. Terceira razão: a rentabilidade do setor rodoviário, principalmente a remuneração dos motoristas pelo frete, continuará absurdamente referenciada pelo granel agrícola. Por último, a degradação das rodovias continuará em ritmo acelerado pelo alto volume de caminhões pesados, piorando o já preocupante declínio dos valores dos ativos de infraestrutura.
O Brasil carece, há muitas décadas, de visão de longo prazo para garantir o necessário avanço no modo como projetos estruturantes podem se transformar em combustível para saltos de crescimento sustentável, protegidos de vontades políticas que se caracterizam por ações imediatistas. Projetos estruturantes não podem depender da boa vontade e dos desvios das marés políticas, que são frequentes no nosso país.
Devem ser pautados pela continuidade, não obstante as flutuações no exercício do poder e as necessidades imediatistas. Eles têm de se transformar em produtos de propriedade da sociedade brasileira, portanto com caráter de sustentabilidade no longo prazo. Ao sonharmos com um ambiente institucional que proteja o planejamento de longo prazo, acende-se uma centelha de esperança através da qual os brasileiros poderiam certificar-se de que nem tudo nesse país se alimenta do imediato, do interesse partidário, enfim, de uma agenda que se distancia cada vez mais do futuro brilhante que o Brasil pode ter.
Até 2025 cerca de 50% do tráfego rodoviário estará operando em condições de regular a ruim, se ficarmos restrito a um cenário moderado de investimentos. Mantido esse ritmo de investimento, podemos chegar a 57,5% do tráfego em condições inadequadas de operação (nível de serviço).
A PILT/FDC(centro de estudos avançados), em evento realizado em Washington, na sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), no dia 20, comparou dois cenários para a infraestrutura de transportes do Brasil. Em um contexto considerado moderado, levando em conta investimentos que estão no horizonte atual, o custo total de transporte será da ordem de R$ 208,9 bilhões em 2025 e R$ 245,7 bilhões em 2035. Em um cenário otimizado, com novos projetos adicionados ao portfolio atual, a economia poderia chegar a R$ 16,4 bilhões em 2025 e R$ 23,3 bilhões em 2035, em clara demonstração de que o país precisa de muito mais do que tem sido previsto até agora.
É premente o engajamento sobre as necessidades de investimentos públicos e privados, para atingir o objetivo de contribuir com governos, entidades de classe e empresas na identificação de projetos estruturadores da rede multimodal de transportes. O investidor precisa de transparência de informações geradas. Abracemos o pacto de contribuir para o desenvolvimento econômico do país, através do planejamento setorial de longo prazo.
Paulo Resende é Ph.D. diretor do Núcleo de Logística, Supply Chain e Infraestrutura da Fundação Dom Cabral, e Coordenador Geral da Plataforma de Infraestrutura em Logística de Transportes da FDC, PILT/FDC.
Esperamos que o próximo Presidente da República assuma essa missão – reforma das rodovias, sem dar desculpas e colocar a responsabilidade no atual.
Precisamos avançar e parar de responsabilizar o governo anterior.
Desejamos que sejam feitos investimentos em infraestrutura, em todos os modais de transportes.